O MPLA não brinca em serviço, sobretudo tendo em mente (como tem) chegar a um século de governação ininterrupta em Angola. Assim sendo, Angola 2050 é o nome do plano estratégico apresentado recentemente pelo governo de Angola contendo a visão do MPLA para o (seu) país a longo-prazo.
A recepção ao documento foi morna, não suscitou especial entusiasmo ou foi rapidamente descartado por ser aquilo que é timbre no MPLA – pouco rigoroso, não ter uma metodologia adequada, ou não passar de um trabalho de consultores académicos que, com boa remuneração, dizem tudo o que o Governo quer que eles digam, nem que seja a descoberta do caminho marítimo para o Huambo.
«Trata-se dum trabalho com 432 páginas e 11 capítulos, elaborado de modo profissional e sistemático. Entendemos que mesmo criticando, a primeira atitude correcta é estudar e reflectir sobre o documento, além de o dar conhecer. Só conhecendo o documento se pode criticar ou apresentar alternativas», escreveram na altura os peritos do Cedesa – Centro de Estudos para o Desenvolvimento Económico e Social de África.
De facto, a função da sociedade civil, dos académicos e opinião pública em geral tem de deixar de ser a mera desconstrução e passar a ser de exigência e crítica atenta. Só sabendo do que se fala poderemos convocar os dirigentes a cumprir ou a apresentar outras soluções. Isto é, só fazendo o contrário do que faz o MPLA – ou seja, saber do que se fala.
Embora o MPLA ande sempre adiantado… embora o país não sai do meu sítio onde foi colocado há 48 anos, 2050 ainda está longe, pelo menos para o comum dos angolanos. Para os dirigentes do país é já… amanhã.
Recusando-se a defender a tese do MPLA que nos quer convencer que o filho nasce antes da mãe, o economista Alves da Rocha diz que as desigualdades (em 2023 e não em 2050) sociais em Angola são “aberrantes e indignas” e releva que entre 2014 e 2021 perderam-se 326 dólares (337 euros) por ano de rendimento médio por habitante no país.
Aludindo aos relatórios da missão do Fundo Monetário Internacional (FMI) e da fundamentação do Orçamento Geral do Estado (OGE) angolano nesse período de oito anos, o economista sinalizou que entre 2017 e 2021 a perda foi de 315 dólares (293 euros) anuais por cada cidadão.
Os dados de base, incluindo as Contas Nacionais, observa Alves da Rocha, apontam para uma “degradação crescente” das condições gerais de vida dos angolanos, espécie humana que o MPLA não dá como certo que ainda exista em 2050.
A análise feita pelo também director do Centro de Estudos e Investigação Científica da Universidade Católica de Angola (UCAN) foi apresentada no 2.º Ciclo de Debates: O Dividendo da Paz em Angola: Os indicadores económicos, políticos e cívicos antes de 2002 e agora.
Nesta sessão de debates, promovidos pelo Grupo de Reflexão, Aconselhamento e Debate (GRAD) do Laboratório de Ciências Sociais e Humanidades da UCAN, o economista falou sobre “A Paz e Reconciliação Nacional”.
Para Alves da Rocha, a paz é um bem público, pertence ao povo e a melhor comemoração da paz é a melhoria das suas condições de vida, “sistematicamente degradados desde há muitos anos a esta parte”.
“Caviar e lagosta — nas opíparas refeições oferecidas pela burguesia nacional — contrastam com o funje de mistura sem conduto (só de água, sal e gindungo) em mais de 90% das famílias angolanos”, afirmou. O economista vincou que as desigualdades sociais no país “são aberrantes e indignas dos preceitos da nossa Constituição”.
“Devemos ter vergonha do quadro societário desequilibrado existente onde campeia a pobreza, a fome e a marginalização. É indigno comemorar-se os anos de paz com tanta criança nas ruas a pedir um pão para comer”, lamentou.
No entender do economista angolano, a ausência de guerra “é importante e inestimável mesmo”, contudo, a ausência de acções armadas não significa paz, “apenas novas condições para o acontecer do desenvolvimento” e do progresso, “os únicos e determinantes factores de unidade e reconciliação nacional”.
Segundo Alves da Rocha, no texto apresentado no encontro pela coordenadora do GRAD, Cesaltina Abreu, a ausência de guerra “é um ganho substancial, mas o seu aproveitamento tem sido defeituoso e acintoso” já que não resultou em “melhorias visíveis nas condições de vida da maioria da população”.
A “intensa dinâmica” de crescimento do Produto Interno Bruto (PIB) entre 2003 e 2008 “(cerca de 10,7% ao ano, podendo ser duplicado em menos de sete anos), um dividendo material efectivo da paz”, realçou, foi canalizada para o processo de acumulação primitiva de capital e de criação de uma burguesia nacional endinheirada”.
Esse, apontou, era o período propício para se ter operado uma alteração do modelo de distribuição do rendimento nacional a favor do combate contra a pobreza e que teria preparado o país para uma “maior resistência às intempéries das quedas do preço do petróleo”.
Alves da Rocha defendeu ainda que a reconciliação nacional “só será efectiva” com uma “base económica segura (espalhar-se dentro de critérios de racionalidade, estruturas produtivas e económicas), crescimento sustentável e acesso a oportunidades de enriquecimento”.
(EXCLUINDO OS POBRES) ANGOLA NÃO TEM POBRES
Já em 2 de Janeiro deste ano, Alves da Rocha criticou a falta de políticas públicas “consistentes” para a redução da “tremenda” taxa de pobreza em Angola e estimou que a economia angolana deve crescer entre os 2,3% e 2,5% em 2023.
Segundo este economista, “a nossa previsão no CEIC (Centro de Estudos de Investigação Científica) é que este ano o crescimento do país andará à volta dos 2,3% a 2,5%, não se afastando das previsões do FMI (Fundo Monetário Internacional) e do Banco Mundial, que poderão ser ainda mais baixas”.
As previsões “são falíveis, é por isso que não há duas instituições que convirjam nos valores da taxa de crescimento do PIB (Produto Interno Bruto), há sempre diferenças de décimas, centésimas ou unidades e, portanto, a nossa perspectiva não se afasta das previsões internacionais”, argumentou.
Comentando as perspectivas de crescimento da economia angolana em 2023, Alves da Rocha referiu que todas as economias do planeta deverão enfrentar este ano “momentos complicados”, sobretudo devido à taxa de crescimento da China, “que este ano deve ser inferior a 3%, de acordo com previsões do FMI”.
“Isto tem a ver também com a mudança de paradigma, do modelo de desenvolvimento da China, que há dois ou três anos priorizou o consumo agregado, sobretudo privado, porque quer retirar da pobreza toda gente (…). E isto pode vir a ter algumas consequências em termos das relações comerciais internacionais”, disse.
O também director geral do CEIC, órgão da Universidade Católica de Angola, aludindo a uma publicação da The Economist Intelligence Unit, referiu que as perspectivas económicas africanas para 2023 “são negativas”, particularmente, devido à situação internacional.
Altas taxas de inflação, altas de taxas de juros nos mercados monetários e financeiros, problemas de energia “tudo isto se vai reflectir numa atenuação do crescimento das principais economias africanas”.
“Mesmo naquelas economias que estão no curto prazo a beneficiar da alta do preço do petróleo, mas tudo isto tem um efeito bumerangue, em Angola o efeito bumerangue da alta do preço do petróleo vai se verificar”, apontou.
Segundo Alves da Rocha, Angola, cuja economia depende das receitas petrolíferas, vai registar “momentaneamente” acréscimo nas receitas de exportação petrolífera, nas reservas internacionais e nas receitas fiscais.
“Mas, tudo isto, depois terá consequências na medida em que Angola e outros países africanos são economias predominantemente importadoras e já se está a verificar um acréscimo dos preços dos produtos importados”, acrescentou.
Em relação às “incertezas” das economias mundiais, Alves da Rocha considerou preocupante as perspectivas a curto e médio prazo “nada boas”, sobretudo para as economias africanas, “que há 10 anos já apresentavam dinâmicas de crescimento notáveis acima de 5%”.
“E aquilo que se prevê até 2027, Banco Mundial (BM), FMI, The Economist Intelligence Unit são taxas de crescimento a volta dos 3%, médias anuais, e Angola não foge a essa regra, o que significa que no longo prazo 2027, longo prazo de mangas arregaçadas, isto não perspectiva melhoria ou redução da taxa de pobreza”, justificou.
Lamentando o que chama, e bem, de “tremendas” taxas de pobreza em Angola e em alguns países africanos e criticou a “falta de políticas públicas sólidas” em Angola para a redução da pobreza contrariamente como acontece em Portugal, sublinhou, “onde as autoridades assumem a pobreza” como uma prioridade política.
“Quando oiço que Portugal, por exemplo, está empenhado em até 2025/26 retirar da pobreza 400 mil pessoas, significa o reconhecimento de que há pobreza, fico de facto muito preocupado quando eu não vejo aqui em Angola”, referiu.
“Pelo menos não me apercebi, da indicação de uma meta de quantas pessoas é que o Governo pretende retirar da pobreza em 2023 ou até 2027”, notou, recordando que o Plano de Desenvolvimento Nacional (PDN) 2018-2022, que previa reduzir a taxa de pobreza para 25%.
Disse igualmente que não era impossível reduzir para 25%, defendendo, no entanto, que as políticas públicas fossem nesse sentido: “Até hoje ainda não vi nenhum balanço se realmente a taxa de pobreza foi reduzida para 25%, partindo do princípio de que os valores do INE estão correctos e aceitáveis”.
Os cálculos do Instituto Nacional de Estatística (INE) “dão conta de que em 2018-2019 a taxa de pobreza monetária andava a volta dos 41%, Angola esteve em recessão económica desde 2015 até 2021, recessão económica significa não distribuição de rendimentos”.
“Não distribuição de rendimentos significa elevação da taxa de desemprego, o que significa mais pessoas na pobreza, esses dados ainda não foram apresentados”, atirou o economista e docente universitário.
Alves da Rocha criticou também a falta de informações sobre as metas do PDN 2018-2022, em relação às taxas de pobreza, referindo que o CEIC tem feito estimativas anuais sobre as premissas necessárias para a redução da pobreza em Angola.
As “nossas estimativas apontavam, no final de 2021, para que a taxa de pobreza monetária em Angola pudesse andar a volta dos 45 a 46%, já contando com a incidência negativa da recessão económica”.
“Oficialmente nada se sabe, se a meta dos 25% foi atingida, o que consta dos nossos documentos de política económica é a intenção de reduzir a taxa de desemprego, reduzir a taxa de pobreza e não se faz um balanço o que aconteceu concretamente na taxa de pobreza, seguramente não conseguimos reduzi-la ou colocá-la nos 25%”, concluiu o economista angolano.
Quatro (4) em cada dez (10) angolanos são… pobres
A Universidade Católica de Angola estimou no início do ano passado (2022) que a taxa de pobreza no país rondava os 42% (a ONU falava em 52%), enquanto a da pobreza extrema se situava nos 20%. Eram e continuam a ser números emblemáticos para demonstrar (mais uma vez) a incompetência dos governos – todos do MPLA – que estão no Poder desde 1975, ou seja há 48 anos.
O CEIC estimava que quatro em cada dez angolanos são pobres. Tomemos, embora não seja novidade, nota desta bandeira do Governo: 4 em cada 10 cidadãos angolanos são pobres.
Segundo Alves da Rocha, os números sinalizam a “degradação constante do nível de vida dos angolanos”, motivada pela crise que o país vive desde finais de 2014 e que mostrou que em matéria de competência e seriedade governativa Angola está entregue à bicharada. Bicharada que comeu tudo e não deixou nada, que mandou a diversificação da economia para as calendas criando, dessa forma, 20 milhões de pobres.
“Em 2015 a capacidade de crescimento da economia foi apenas de 0,5%”, notou o economista, quando apresentou, em Luanda, o Relatório Económico de Angola 2018, salientando que “a partir daí, Angola entrou em processo de desaceleração económica, o que significa que, em cada ano, se produzem menos bens e serviços”. Desaceleração essa que, contudo, permitiu que mais uns tantos ficassem ainda mais ricos, dizemos nós.
Para o docente da UCAN, a taxa de crescimento do PIB comparada à taxa de crescimento da população, estimada pelo INE em 3,1%, evidenciava a “degradação acentuada do nível de vida dos angolanos que desde 2015 atingiu os 15,5%”.
“Em cada ano os angolanos ficam mais pobres, não só porque não há crescimento na economia, mas também porque o desemprego aumenta e consequentemente não há fontes de rendimentos para as famílias”, apontou, lamentando a situação.
Alves da Rocha apontou igualmente o desemprego, cuja taxa cresceu 8,8% nos dois anos anteriores, atingindo 28,8% da população activa, segundo um relatório do INE, como uma das “consequências das reformas e do reajustamento macroeconómico em curso”.
“A população desempregada aumentou entre Abril e Agosto, com cerca de 250.000 pessoas que não conseguiram manter os seus empregos, o que equivale a uma perda de PIB de cerca de 5 mil milhões de dólares”, realçou o académico no referido relatório, para quem as taxas elevadas de desemprego “correspondem a uma menor capacidade de crescimento da economia”.
Recorde-se que o Presidente da República, do MPLA e Titular do Poder Executivo prometeu criar, na legislatura anterior, 500 mil novos empregos…
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